domingo, 23 de janeiro de 2011

Mário e Maria

MÁRIO MARROQUIM E A MÚSICA



Em 22 de março de 1996, em suplemento, foi publicado um caderno especial sobre a vida e obra de meu pai, Mário Marroquim, em comemoração ao centenário de seu nascimento, pelo O JORNAL, em Maceió-Al. Sendo músico, fui encarregado de escrever sobre sua atividade nesta área. Esta foi uma das múltiplas faces da vasta cultura de Mário Marroquim que, além da música, envolvia a poesia, arqueologia, antropologia, política, magistério, advocacia, filologia. Autor de "A língua do Nordeste", com prefácio de Gilberto Freire, livro ainda hoje referência para quem estuda os linguajares de nosso país, em muito enriqueceu o estudo do nosso idioma. Eis o artigo que escreví para o jornal:

Ao ouvir a pequena mas belíssima obra musical de Mário Marroquim, torna-se necessário refletir sobre as fronteiras impostas pelos críticos e pelo próprio público, divorciando a música erudita da música popular. Alguns acham que o erudito, a música de elite, deve ser vista e analisada isoladamente, pois suas estruturas formais complexas, fruto intelectual de compositores plenos de gênio, assim o exigem. É música para gostos refinados, treinados e desenvolvidos, bem diferente daquela outra, popular, simples em sua concepção, oriunda das ruas, fácil de assimilar e entender.
Formalmente, são evidentes as diferenças: uma se aprofunda tematicamente, se subdivide em muitos movimentos, utiliza rítmos e andamentos variados; a outra, geralmente monotemática com refrão, prima pela simplicidade. Nem por isso, no entanto, o belo deixa de ser expresso. Ambas traduzem estados de espírito com infinitos matizes, inspiradas em variadíssimas fontes.
Na verdade, há boa e má música, independentemente do do gênero ou época em que foi escrita. É necessário derrubar as barreiras forjadas pelos puristas, a separar os dois tipos de música.
A arte erudita se inspirou largamente nas manifestações populares e folclóricas, cortejando seus rítmos e melodias, dando-lhes roupagens, camuflando-se em suas complexidades. A valsa, por exemplo, um dos pontos fortes da obra de Mário Marroquim, surgiu a partir do "weller", dança camponesa alemã, e do "Leandler", dança tirolesa austríaca, duas manifestações notadamente populares. No entanto, no decorrer do tempo, Berlioz, Mozart, Ravel, Strauss e dezenas de outros compositores introduziram valsas instrumentais em suas obras. A valsa, no princípio dança, evoluiu para peça instrumental e, por fim, poesia e música.
No Brasil, sobretudo no II Império, a modinha, o fado, o tango, a canção, a valsa, o romance, adentraram os salões aristocráticos onde danças e jogos europeus eram cultivados. A concomitante invasão do piano, instrumento celebrizado por Liszt e Chopin, e que passou a ser, ao lado do bandolim, a prenda maior de toda moça educada e fina, tornou possível introduzir em camadas sociais mais altas, gêneros musicais de uso popular.
A música de Mário Marroquim se explica nesse universo. Compôs fados, canções, tangos, valsas, e até uma opereta. Musicou versos seus e de amigos, sempre com aguçada sensibilidade. Advogado e professor, dizia sempre que "neste País, a música não leva ao mercado", numa alusão ao sentido amadorístico que dava às suas atividades musicais. Compôs pouco, mas com profundidade e qualidade. Suas valsas para piano solo, com diversas seções, procedimento formal da época, guardam uma unidade psicológica impressionante. Há sempre uma coerência temática, uma hábil e inspirada condução melódica e harmônica. Música tecnicamente simples, mas repleta de beleza. Para voz, suas valsas se elevam ao lírico e suas frases musicais, lânguidas, sensuais até, casam-se prosodicamente com as intenções do texto, lançando-se para os agudos nos momentos de tensão, aplacando-se suaves, repousando nas calmarias do poema. Na valsa "Jardim Secreto", por exemplo, a melodia ascende quando o texto sugere estar o jardim "aclarado em fulgores tropicais", para ceder aos poucos na afirmação do poeta:"aquí esteve a mais linda das Marias...". Esta adequação da música à letra, raríssima em nosso repertório cantado, popular ou não, encontra em Mário Marroquim um exemplo de correta execução.
Mário Marroquim foi um artista preso à sua época. Não desbravou novos caminhos musicais. Repetiu, com talento e bom gosto, o que o seu tempo propôs. Fez a boa música. Possuidor de uma memória extraordinária, ouví-o, dezenas de vezes, reproduzir ao piano a trilha sonora das "fitas" a que assistira. Melodista fértil, fascinava os amigos improvisando peças inteiras a partir de três notas aleatórias sugeridas por estes.
A Música, sabe-se, não levou Mário Marroquim ao mercado, mas levou-nos a todos, sem excessão, a admirá-lo por sua arte, apenas moldura a contornar suas verdadeiras atividades profissionais, mas que o transportou à condição de grande pessoa humana que foi.

Frederico Marroquim.

Veja nos links abaixo duas valsas de Mário Marroquim.

http://www.youtube.com/watch?v=kojt49vvFTg

http://www.youtube.com/watch?v=_sRyzdgW5V4

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